Transfobia
A repulsa, o ódio, o preconceito e a discriminação sistêmica dirigidos a pessoas transgênero, transexuais, travestis e não-binárias. Ela não se limita a agressões individuais, mas constitui um sistema de poder que marginaliza e pune quem desafia as normas de gênero impostas biologicamente no nascimento, invalidando suas identidades através da cisnormatividade.
Definição
Mais do que um "medo" irracional (como o sufixo fobia sugere), a transfobia é uma ideologia estrutural baseada no Cissexismo. O cissexismo é a crença de que a identidade cisgênero (quando a pessoa se identifica com o gênero designado ao nascer) é a única natural, normal e legítima, enquanto as identidades trans são vistas como transtornos, falsificações ou aberrações morais. No Brasil, a transfobia adquire contornos letais e específicos devido à identidade política e social da Travesti, que foi historicamente marginalizada e empurrada para a prostituição como única via de sobrevivência, gerando uma associação estigmatizante entre transgeneridade e marginalidade.
Como funciona
A transfobia opera fundamentalmente através da cisnormatividade, que é a presunção automática de que todas as pessoas são cisgênero até que se prove o contrário. Esse mecanismo cria um ambiente hostil onde a pessoa trans precisa constantemente "justificar" sua existência ou "provar" sua identidade, enquanto pessoas cis têm seus gêneros validados sem questionamento. As instituições (escolas, hospitais, cartórios) são desenhadas ignorando a existência trans, o que gera exclusão burocrática e simbólica cotidiana, como a dificuldade de retificar documentos ou a falta de banheiros seguros. Outro mecanismo central de funcionamento é a vigilância de gênero. A sociedade atua como uma "polícia de fronteira", fiscalizando corpos para detectar traços que não correspondam ao padrão masculino ou feminino hegemônico. Quando uma pessoa trans é "lida" como trans (não possui "passabilidade" cis), ela se torna alvo imediato de violência corretiva ou ridicularização. Isso se agrava pela desumanização discursiva: tratar a identidade trans como uma "farsa" ou "enganação", o que serve de justificativa psicológica para agressores que alegam terem sido "enganados" ao se relacionarem com pessoas trans.
Exemplos
- Negativa do nome social: recusar-se a tratar a pessoa pelos pronomes corretos ou insistir em usar seu "nome morto" (nome de registro civil antigo), especialmente em ambientes familiares, escolares ou médicos.
- Exclusão do mercado de trabalho: currículos descartados automaticamente, empurrando a população trans (especialmente mulheres trans e travestis) para a informalidade e a prostituição compulsória (estima-se que 90% das travestis e transexuais no Brasil tenham a prostituição como fonte de renda, segundo a ANTRA).
- "Transfobia Recreativa": o uso de personagens trans em programas de humor apenas como alívio cômico, reforçando estereótipos de que são homens vestidos de mulher ou figuras grotescas.
- Impedimento de uso de banheiros: leis ou regras institucionais que proíbem pessoas trans de usarem o banheiro compatível com seu gênero, expondo-as a constrangimento e violência física.
Quem é afetado
Afeta toda a comunidade T (transexuais, transgêneros, travestis, não-binários). No entanto, o impacto é desigual devido ao racismo e classismo. No Brasil, Mulheres Trans e Travestis Negras são as principais vítimas de violência letal (transfeminicídio) e de violência policial, sofrendo com requintes de crueldade que não se vê em outros crimes. Homens trans e pessoas não-binárias sofrem frequentemente com a "invisibilidade agressiva" e violência sexual "corretiva".
Por que é invisível
É invisível porque a sociedade naturaliza o gênero como um fato biológico imutável ("menino veste azul, menina veste rosa"). A exclusão das pessoas trans é vista por muitos como uma consequência "natural" de suas escolhas, e não como uma falha da sociedade em acolhê-las. A ausência de pessoas trans em cargos de poder, no jornalismo, na política e nas universidades cria um ciclo de silenciamento onde suas pautas não são debatidas seriamente, sendo tratadas apenas como "polêmicas de comportamento" ou "ideologia de gênero".
Efeitos
Os efeitos são devastadores: o Brasil é, há mais de uma década, o país que mais mata pessoas trans no mundo (dados da Transgender Europe). A expectativa de vida de uma travesti no Brasil é estimada em 35 anos, menos da metade da média nacional. Além da morte física, há a "morte social" através da expulsão de casa na adolescência, evasão escolar forçada pelo bullying (transfobia institucional) e altas taxas de suicídio e automutilação devido ao sofrimento psíquico causado pela rejeição contínua.
Autores brasileiros
- Berenice Bento
- Jaqueline Jesus
- Letícia Nascimento
- ANTRA
Autores estrangeiros
- Susan Stryker
- Paul B. Preciado
- Judith Butler
